Autoconhecimento como nosso aliado
Perceber a forma como vivenciamos momentos de crise, em que somos colocados a prova diante dos revezes e suas consequências, pode nos trazer informações importantes sobre a nossa jornada de autoconhecimento. O comportamento assumido nesses momentos, traz à tona aprendizados que tivemos ao longo da vida, sobretudo de nossas experiências no contexto familiar, a partir de crenças e valores construídos que guiam nossas ações. Cada pessoa vivencia as suas experiências de vida, de forma única. Não nos cabe julgar em certo e errado, bom ou ruim, mas sim perceber e compreender que as pessoas possuem níveis de consciência diferentes sobre si mesmas e sobre o mundo a sua volta.
O caminho do autoconhecimento, podemos dizer que é uma longa jornada, e que, de certa forma não tem um ponto de chegada, é um trabalho para a vida inteira. Claro que, à medida que evoluímos em nosso nível de consciência, avançamos nesse aprendizado, trazendo mais clareza, mas sempre teremos algo a aprender sobre nós mesmos. Esse aprendizado acontece principalmente na relação como o outro, vai muito além dos livros lidos e cursos que realizamos, é na prática diária da vida e suas interações. É em nossas relações e na qualidade delas que percebemos os sinais de nossa evolução.
Grandes pensadores e filósofos há muito tempo atrás, ainda na Grécia antiga, a exemplo de Sócrates, com sua conhecida provocação “Conhece-te a ti mesmo”, já nos chamavam a um olhar para dentro, como algo importante para nossa evolução como ser humano na compreensão da vida e do mundo que nos rodeia. Nos dias atuais seguimos com a constatação de que é vital essa compreensão para enfrentamento dos desafios e mudanças do momento e do futuro. Como vemos nos relatórios do Fórum Econômico Mundial, as habilidades socioemocionais, sempre apontando para um caminho de valor para o avanço da consciência humana, para a qualidade de nossas interações, gerenciamento de emoções, flexibilidade e equilíbrio para lidar com as mudanças constantes e aceleradas.
A busca pela clareza e entendimento de quem somos, o porquê de estarmos aqui e o reconhecimento de nossos pontos fortes, nossas limitações, crenças, valores, habilidades, talentos e anseios, são elementos importantes na bagagem, como uma “fortaleza interna” e cruciais para fortalecer nossa capacidade de reinvenção. No livro 21 Lições para o Século XXI, o historiador, Yuval Noah Harari, fala que clareza é poder, e que descobrir a si mesmo também permite criar a si mesmo para encontrar alternativas. Para isso é preciso dedicação e atenção plena diante do que temos controle, nossa capacidade de pensar, sentir, aprender e fazer escolhas.
Conhecer seus pontos fortes profundamente, com prática, ajustes e refinamento constante, para utilizá-los de forma consciente é o caminho para a excelência. Marcus Buckingham e Donald O. Clifton, em seu livro “Descubra seus pontos fortes”, baseado em pesquisas feitas pelo Instituto Gallup com mais de 2 milhões de pessoas, revelam que usar nossa energia para aprimorar aquilo que já fazemos bem e deixar os pontos fracos em segundo plano, trará melhores resultados.
Conhecer a si mesmo, nem sempre é uma tarefa fácil. Requer disponibilidade e coragem de olhar para dentro e perceber que sim, temos muitas qualidades, potencialidades, mas também aspectos que necessitamos melhorar, que intensificam nossa vulnerabilidade, seja no excesso de emoções negativas, medos, resistências, que por vezes nos limitam a uma visão integral e atrapalham a nossa vida e de outras pessoas. Na medida em que aprofundamos a compreensão, um universo de descobertas e possibilidades aparece a nossa disposição.
Existem diversas formas para ampliar o autoconhecimento. Um dos caminhos para aprofundar essa compreensão é pela Antroposofia, em grego “sabedoria humana”, considerada por seu fundador, o filósofo austríaco Rudolf Steiner, uma “ciência espiritual”. Os estudos da antroposofia, reconhecem o ser humano de forma ampliada, a partir da sua constituição física, emocional e espiritual e sua relação com a natureza, com suas experiências em cada fase da vida e com o todo.
Somos muito mais do que vemos externamente. Conseguimos captar com a nossa percepção apenas parte da dimensão humana. Na busca por compreender a vida em sua integralidade e complexidade, Rudolf Steiner trouxe grande contribuição para o autoconhecimento, a exemplo da sua concepção sobre temperamentos, que tiveram início ainda na Grécia antiga, nos estudos de Empédocles, Hipócrates e Aristóteles. Os estudos de Steiner contribuíram também para os campos terapêuticos, médicos e pedagógicos a partir de uma compreensão científica abrangente das qualidades pessoais e de grupos humanos a partir dos temperamentos.
A teoria dos temperamentos, se apresenta em 4 grupos: Colérico, sanguíneo, fleumático e melancólico. Todos temos um pouco de cada um, mas geralmente um deles se apresenta com mais força. Podemos e devemos nos desenvolver para encontrar o equilíbrio entre os temperamentos, o que nos favorece, pois todos os 4 possuem características importantes para a vida.
Quando não temos consciência sobre a forma como funcionamos, os excessos podem nos causar problemas. O colérico, por exemplo, com toda sua força e determinação para ação pode ser incisivo e provocador demais, sem considerar o perfil das pessoas e a forma mais adequada para relacionar-se com elas, uma vez que sobressai a sua preferência de atuação.
O sanguíneo, quando em excesso, pode “viajar” demais em suas ideias, sem conseguir concretizá-las de forma prática e objetiva. O fleumático, poderá se emaranhar em seu mundo conservador e expor pouco suas opiniões e pensamentos de forma transparente. O melancólico pode exceder na sua introversão, perfeccionismo e pessimismo, ampliando o tamanho de seus desafios, por vezes desnecessariamente.
Perceber os excessos e desiquilíbrios é importante para ampliarmos consciência no dia-a-dia e não seguir com a vida no automático. No momento atual, mais do que nunca, precisamos perceber a forma como nos relacionamos, começando pela relação com gente mesmo – e isso em momentos de isolamento social, nos favorece – para depois perceber como estamos interagindo com as pessoas ao nosso redor. Para muitos, essas relações estão sendo um “teste de fogo”, a convivência direta em home office, somada a incertezas e preocupações e à necessidade de produzir e criar alternativas se torna ainda mais desafiadora. Quanto mais clareza tivermos de nossa história, o que no que trouxe até aqui, nossas forças, qualidades e talentos, limites, como funcionamos, como nos motivamos, a forma como aprendemos e assimilamos informações para tomar decisões e organizar nossas vidas, mais teremos o autoconhecimento como aliado para atravessar cenários desafiadores.
Autora: Lucivania Bortolossi
Facilitadora da SG Aprendizagem Corporativa. Lifelong learner, apaixonada por pessoas, autoconhecimento, espiritualidade, diversidade, trabalhos com propósito e também se energiza no contato com a natureza.
Mais algumas dicas para aprofundar seu autoconhecimento:
Livros:
- Fases da vida – crise e desenvolvimento da individualidade. Autor: Bernard Lievegoed.
- Temperamentos – a face que revela o homem. Autor: Norbert Glas.
TEDex: O poder da Vulnerabilidade – Brené Brown
Netflix: The Call to Courage – Brené Brown